sexta-feira, 17 de abril de 2009

Caos na Saúde


Com o recente caso de moscas varejeiras no Hospital Universitário da UFRJ, resolvi postar algo que já tinha acontecido comigo há 2 meses atrás. Vamos ver se vou conseguir postar tudo no blog. Infelizmente, este é apenas mais um retrato da saúde pública no Brasil. Nada diferente do que acontece a toda desprezada população, que mesmo pagando religiosamente todo ano “zilhões” de impostos, não tem o atendimento digno e necessário que merece. Quarta Feira, dia 04/03/09, cheguei ao Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), localizado na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro às 13:30. Na realidade, cheguei 30 minutos atrasado, pois a hora marcada para dar entrada para internação era 13hs. Estava nervoso, pois nunca havia feito uma cirurgia antes, apesar de já ter ficado internado antes no próprio “Fundão” em 2001 para realizar o mesmo procedimento cirúrgico de correção de desvio de septo nasal. Ao entrar na portaria principal, o paciente deve se dirigir a um das 3 ou 4 cabines disponíveis para fazer o “check in”. Normalmente sendo sempre recepcionado de forma grosseira, me surpreendi positivamente com a gentileza da atendente, pedindo encarecidamente os documentos da minha mãe que me acompanhava para a internação. Passamos por uma catraca “eletrônica” (apesar de funcionar com um cartão magnético, existem seguranças responsáveis por passar outro cartão para liberar a roleta) e nos dirigimos a sala de vidro destinada a “admissões e altas” como a recepcionista havia ordenado. É uma sala relativamente grande e espaçosa como tudo neste hospital, porém como tudo também muito mal utilizado. Nesta sala há uma cabine de vidro, onde um funcionário, sem identificação visível, pega o prontuário e fala para esperar nos bancos no “hall” principal, fora da salinha de admissão. Esperei aproximadamente uns 10 minutos lendo meu jornal, quando ouço um “Alexandre Barrozo!!”. Nervoso como só, desviei o olhar do jornal e procurei quem me chamava. Era uma senhora, aparentemente com seus 70 anos, baixinha, óculos absurdamente grandes e fundos e roupa normal, também sem nenhuma identificação, que falava algumas palavras rápidas demais e muito pouco decifráveis. Apenas a segui, em silêncio, com um sorriso no canto do rosto, tentando entender como alguém pode falar tanto em tão poucos segundos. Minha mãe, na realidade, é quem mais conversava com a senhora. A moça parecia conhecer muito bem o hospital e as pessoas, pois para chamar o elevador, diferentemente do que acontece no resto do planeta, não precisa apertar o botãozinho. Milagrosamente o elevador pararia sozinho no 1º andar, segundo a senhora. E foi o que aconteceu! O elevador foi até o sub-solo e depois parou no andar, sem ninguém apertar o botãozinho. Durante a espera do elevador, eu e minha mãe escutávamos atentos (muito mais minha progenitora) o que aquela senhora falava. Apesar de muitas coisas ditas ao mesmo tempo, consegui entender que aquela funcionária já trabalhava a muitos anos no hospital e que seu sonho era trabalhar como as meninas bonitinhas, novinhas, com colete azul escrito “Posso Ajudar?”. Realmente aquela senhora, apesar de muito atabalhoada conseguiria ajudar bastante gente, pois deve conhecer cada canto daquele hospital. Ao entrar no elevador, uma figura morena, com bigodinho indescritível conversava com a senhora elétrica e mais uma moça. Eu e minha mãe estávamos nos fundos do elevador. A moça mais nova saiu no 3º andar e estranhamente, o moço do elevador não fechava a porta, pois conversava com a moça do lado de fora, algo típico de cinema. A senhora que nos acompanhava, perguntou se o maquinista havia visto o “Elias”, este respondeu que sim, estava procurando o “Alexandre” (eu!). Aí para minha surpresa, a senhora disse: - Ah! Eu fui buscar o Alexandre porque ele anda muito devagar! Entre o misto de espanto e vontade absurda de rir, olhei para minha mãe e segurei o riso. Minha mãe perguntou ao maquinista se ele estava com o meu prontuário. O maquinista mudou a fisionomia, se virou para minha mãe e disse: - Moça, aqui eu só fico no elevador! As coisas não são assim não. Cada um é responsável por uma coisa. O Elias é que está com os prontuários. Virou-se e parou no 10º andar. Saímos, obviamente com a senhora na frente, mais rápido e fomos em direção ao 10C. O Hospital é todo dividido em A, B, C, D, E e F. Todas as divisões com sua autonomia, com recepções próprias, etc. Neste momento, graças ao maquinista do elevador, já sabíamos que aquela senhora espevitada se chamava Rosa. Assim, a Rosa foi até a enfermeira do 10C, que estava sentada no computador e perguntou com um jeito de ordem, peculiar a Rosa:


-Já chegou o prontuário do Alexandre?!

Diante da negativa da enfermeira, Rosa se indignou com a lentidão do Elias, porém, me tranquilizou, afirmando que ele teria passado em outros andares para entregar outros prontuários. E assim foi. Decorridos uns 5 minutos, avistamos Elias e mais umas pessoas, que também se internariam naquele dia. Após verificar se o meu prontuário estava ali, o trabalho da Rosa estava pronto. Ela se despediu e voltou para a sala de admissões.

Éramos 3 pessoas para internação naquele dia. Eu, Fábio e uma senhora, que não me recordo o nome. Fábio era um menino magrinho, moreninho, com bigodinho típico da adolescência e um sorriso constante no rosto, talvez decorrente dos seus dentes serem um pouco expansivos. Sua mãe também o acompanhava. Era uma senhora baixinha, gordinha, com óculos fundos e a pele explicitando bastante as marcas do tempo e da vida dura.

A enfermeira perguntou quem era Alexandre. Apresentei-me. Ela disse que ficaria no leito 01 e Fábio no leito 02. Depois foi corrigida por outra enfermeira. Eu ficaria no 02 e ele no 01. Fomos guiados até a porta da enfermaria 5, onde ficaríamos. Ali se encontrava uma moça da faxina que tratou de nos barrar, alegando que apenas o banheiro estava limpo e que precisava de mais tempo para limpar o quarto. Assim, fomos levados até um “hall” do 10º andar, com uns bancos de madeira e uma televisão. Ali ficamos uns 15 minutos, enquanto a enfermeira Margarete nos fazia perguntas sobre nossos hábitos alimentares e possíveis alergias. Ao sinal, podemos entrar na enfermaria. Mais uma vez a confusão com relação ao leito em que eu ficaria e que o Fábio ficaria. Ao passar pela porta do quarto, notei que ali era uma enfermaria pediátrica. Inclusive, com 2 berços no quarto, mais as duas camas onde eu e meu amiguinho ficaríamos. Ora, ora, ora. Como um rapaz de 26 anos vai ficar em uma enfermaria pediátrica? E se tivesse uma criança internada ali? Ta errado! Se tem enfermaria, ótimo! Se não tem, espera vagar para poder internar. Esse jeitinho brasileiro as vezes me irrita! Mas enfim, o que não tem remédio, remediado está! Não é isso que dizem os mais velhos? Fiquei deitado tranquilamente no meu leito, surpreendentemente até tinha uma televisão, o que permitiu que as horas passassem mais rapidamente. Durante minhas 20 horas internado, umas 4 ou 5 vezes, alguém da enfermagem veio ao quarto. Pior do que a ausência foi à falta de controle dos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Sempre que davam o ar da graça na enfermaria, eles perguntavam se um procedimento anterior foi realizado. Ou seja, se o paciente for um doente mental, ou se tiver algum tipo de esquecimento, remédios podem ser administrados duplicadamente e outros erros médicos graves. Ao chegar a noite, me alimentei e até que a comida estava saborosa. Um pouco sem sal, mas deu para o gasto. Fomos informados que após as 22hs, não poderíamos mais comer nada, nem beber água. Tudo bem. Aceitei a ordem médica. O que não aceito de jeito nenhum é o deboche e a falta de educação por parte da equipe de enfermagem, que ficava gargalhando e tirando sarro dos pacientes que estavam em jejum e obviamente com fome. Ao ser perguntado, na manhã de quinta-feira, sob risos de deboche, se estava preparado para passar fome, tive vontade de dizer que não! Pois, graças a Deus, sempre tive comida em casa. Mas, me mantive calado, única e exclusivamente, por receio de ficar a mercê desse tipo de profissional no pós-operatório. Um profissional que vai visitar o paciente na enfermaria com o jaleco aberto, sujo, encardido, com o cabelo despenteado e chinelo de dedo sendo arrastado no chão, tal como uma alma perdida no hospital. Após passar por tamanho descaso dos profissionais e péssimas condições do hospital universitário, fui surpreendido pela notícia do meu médico que não haveria cirurgia. Todas as cirurgias daquele dia haviam sido canceladas. O pior ainda estava por vir! O motivo do cancelamento. As cirurgias, de um dos maiores hospitais e o maior hospital universitário do Rio de Janeiro, foram suspensas devido a falta de ar-condicionado. Na realidade, a falta de uma correia de ar-condicionado. No papel, faltam 12 reais para comprar uma correia para instalar no equipamento necessário para fazer uma cirurgia que pode salvar uma vida! Perguntas ficam no ar: como deixam 7 salas de cirurgia chegarem ao limite de não terem ar-condicionado? Como pode uma profissional ser tão mal-educada e estar tão mal apresentável no seu próprio ambiente de trabalho? Não existe ninguém para supervisionar essa profissional? Não existe ninguém para verificar a ordem dos procedimentos feitos nos doentes, sem a necessidade de ficar perguntando ao paciente? O hospital que recebe milhões de reais do governo federal não tem 12 reais para comprar uma correia para ar-condicionado? Enfim, sei que, infelizmente, isso acontece sempre, na maioria dos hospitais da rede pública de saúde do Rio de Janeiro. Mas, nunca! Nunca mesmo, podemos deixar de nos indignar e repudiar esse tipo de tratamento e condição da saúde pública. Esse tipo de relato nunca poderá ser tratado como rotina de um hospital! Os falsos cegos que não enxergaram ainda o estado de coma em que se encontra a saúde pública brasileira precisam ver como ficam os pacientes. Me perturba pensar que pessoas em estado infinitamente mais graves estão sob os cuidados de profissionais tão mal preparados, de condições tão precárias. Que Deus nos proteja!

2 comentários:

  1. Mesmo o final, bem longe de ser o "Feliz", a narrativa de toda a história está bem interessante, minuciosa e um tanto espirituosa! Gosto disso!

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  2. Hehe...se a vida não tivesse uma pitadinha de humor, já teria desistido há muito tempo...rs

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